08 julho 2012

Saudosa memória do Papa João Paulo II



É com profundo sentimento de saudade que escrevo algumas memórias sobre o nosso pranteado Papa João Paulo II, olhando um pouco a trajetória de sua vida, como nós a conhecemos. 
Ele começa o seu ministério, dizendo que uma das grandes preocupações da Igreja é a humanidade. A Igreja conhece o ser humano e a ele se devota, porque em cada homem e mulher reconhece configurada a beleza da imagem de Deus, assim como Ele os plasmou desde a mais remota origem. 
 Em sua primeira Encíclica, O Redentor da Humanidade, ele nos mostra Jesus solidário com cada pessoa humana; também aborda o valor dessa pessoa, desde sua concepção no seio materno, até seu último respiro. O Papa nos pede para sermos homens e mulheres segundo o plano de Deus e, para isso, é preciso colocar os nossos passos nas pegadas de Jesus, os nossos caminhos devem ser os mesmos, trilhados por Ele, durante os anos em que esteve conosco. Temos que reaprender dEle como ser filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs uns dos outros, graça que nós havíamos perdido pela corrupção do pecado, acontecido na história primigênia.
 João Paulo II era um homem de profundo respeito à natureza humana. Dizia, que não basta ir a Deus pela fé, pois temos a razão, nossa capacidade intelectual que nos permite chegar a Ele, embora Deus sempre venha ao nosso encontro, quando o procuramos, dando-nos a graça. Assim ele ensina em sua Encíclica Fides et Ratio, de 1998: “A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possamos chegar também à verdade plena sobre nós mesmos”.  
Em seus pronunciamentos, João Paulo II cunhou uma expressão, que passou a usar oficialmente: a caridade social. Não é promoção humana, não é a caridade da esmola, mas é ajudar o ser humano na situação social em que ele precisa de nós, e sem o nosso socorro jamais poderia se “humanizar”, realizar-se no seu ambiente humano. Naqueles dias que sucederam à sua morte, tivemos a oportunidade de rever alguns de seus discursos, novamente divulgados pelos Meios de Comunicação Social em todo o mundo. Pudemos notar que, em alguns, o Papa falava com tamanha ênfase que parecia estar gritando ao mundo pelo fim das desigualdades, das injustiças sociais que separam povos e nações, do desrespeito à vida indefesa. 
Foi um homem de diálogo com os governos, orientando-os, quando possível, sobre os princípios da justiça e da caridade social. Lutou para acabar com as desigualdades, mas não conseguiu, porque os homens de boa vontade são relativamente poucos. Mas, sempre buscou o entendimento em favor da paz; de fato, passou a ser chamado “O Papa da Paz”. Homem da serenidade e da caridade universal, João Paulo II era contra as guerras. Manifestou-se muitas vezes nesse sentido, como no caso da sua posição contrária à recente Guerra no Iraque, e as reiteradas exortações aos governos árabes e israelense pelo fim das hostilidades na Palestina. 
Esteve mais do que uma vez na ONU, onde fez pronunciamentos marcantes. Na primeira dessas visitas, a China não compareceu por causa do Papa; numa visita posterior, se fez presente por causa do Papa. Isto se confirma pelo fato de que o governo daquele país, pela primeira vez na sua história, deu licença ao povo católico de rezar em público, após a morte do Sumo Pontífice. Esta foi, talvez, a primeira conquista, quase miraculosa, do nosso falecido Papa.
 Ele foi, também, o “Papa dos Jovens”. Sua história de adolescência e juventude foi marcada pela 2ª Guerra Mundial, época em que a dificuldade de sobrevivência levou-o a trabalhar numa fábrica, como pobre operário. Mas também se reunia com grupos de jovens que se dedicavam ao teatro, compondo peças e delas participando. Exercia sobre os jovens uma extraordinária atração, mobilizando milhões deles, nos diversos encontros que convocou: dois milhões e meio em Roma, um milhão e trezentos mil em Paris, desmentindo as expectativas pessimistas da mídia; e ainda, no Canadá, no México e em diversos outros eventos. Planejava ir à Jornada Mundial da Juventude em Colônia, na Alemanha, em agosto próximo. Já não teremos sua presença física, mas certamente a sua personalidade, o seu carinho e o seu pensamento lá se farão sentir, como sempre.
 O amor que o Papa demonstrava por todos os homens, levou-o a visitar o maior número possível de povos. Talvez gostasse de viajar, e nisto nenhum outro se igualou a ele. Percorreu o mundo inteiro como missionário, vencendo o cansaço, provocado pela agenda, sempre sobrecarregada de eventos, e pelas diferenças climáticas desconfortáveis. Aqui no Brasil esteve três vezes. Na primeira viagem, em 1980, visitou as grandes capitais. Voltando em 1991, conheceu cidades menores, mas, nem por isso menos acolhedoras, como Florianópolis, onde tive a alegria de recebê-lo, como Arcebispo local. O Papa gostava muito do Brasil e, especialmente, do Rio de Janeiro, cidade onde esteve na sua terceira visita ao país. Chegou a gracejar dizendo que “se Deus é brasileiro, o Papa pelo menos é carioca”.
João Paulo II soube aproveitar todos os Meios de Comunicação Social. Fez uso da imprensa, do rádio e, principalmente, da televisão. Era um extraordinário comunicador, como poucos houve e há no mundo. Nunca existiu, na história, outro papa que tenha usado tanto a mídia e a técnica da comunicação, que ele dominava com perfeição, a começar pelas próprias Rádio e Televisão Vaticanas. 
Por fim, todos sabemos que ele foi um grande mariólogo; podemos também dizer um “mariófilo”, isto é, amigo de Nossa Senhora, porque ela é Mãe de nosso Salvador, motivo maior das honras que lhe prestamos. Escolhida para isso, concebeu-O em seu seio materno, acompanhou-O passo a passo, nos momentos alegres e tristes, jamais tendo dito “não” a Deus em qualquer circunstância de sua vida. Por isso, quem quiser imitar Jesus mais de perto, melhor exemplo não terá do que seguir os passos de nossa querida Mãe, Maria de Nazaré.
Este foi o Papa que nós tivemos por quase 27 anos no Pontificado. A saudade que sentimos, nos faz lembrar a riqueza de sua pessoa, principalmente, o último exemplo que nos deixou através da doença, a perseverança na missão, quando muitos defendiam  a sua renúncia: “Jesus mostrou a sua maior grandeza no alto da cruz. Ele não desceu da cruz e eu também não vou descer”. Seguindo Jesus, João Paulo II levou a cruz até o último destino, quando entregou sua vida nas mãos do Pai. Como dizia Santa Teresinha: “Morrer é entrar na verdadeira vida”. E esta é a vida pela qual nós lutamos e para a qual nos encaminhamos. Termino com uma frase sobre o Papa, que recentemente ouvi de uma criança: “Ele era tão amigo das crianças, tão amigo como Jesus!” E agora podemos dizer, às crianças e adultos, que temos no céu mais um santo. Sempre será modelo e protetor.

CARDEAL D. EUSÉBIO OSCAR SCHEID
Arcebispo da Arquidiocese do Rio de Janeiro

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